4 de maio de 2012

O sentido trágico da vida na lírica de camoniana.


Oh vida humana, vã, caduca e breve! 
Oh glória dela, ou falsa, ou imperfeita!
Camões


Os poetas maneiristas, dentre eles Camões, confrontados com a crise geral que se abate sobre o homem e a sociedade pós-renascentista, “os maneiristas passam a integrar obsessivamente o sentimento trágico da vida, a postura melancólica e saturniana, a contemplação da morte.” Essa atitude existencial que subjaz à lírica maneirista tem ampla conexão com a convicção dos poetas acerca da predestinação do homem à dor e ao sofrimento, a uma vida transitória e infeliz, que apenas serve como um doloroso hiato entre o berço e o túmulo. Toda ela transcorrida em agonias, em dores, em pranto e em desventuras, a vida, para os maneiristas, só oferece tormentos físicos, morais e espirituais. Daí o lamentoso canto camoniano, no qual o poeta tece reflexões acerca da sua dolorosa trajetória existencial:

Oh! como se me alonga, de ano em ano,
a peregrinação cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha
este meu breve e vão discurso humano!

Vai-se gastando a idade e cresce o dano;
perde-se-me um remédio, que inda tinha;
se por experiência se adivinha,
qualquer grande esperança é grande engano.

Corro após este bem que não se alcança;
no meio do caminho me falece,
mil vezes caio, e perco a confiança.

Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança,
se os olhos ergo a ver se ind´aparece,
da vista se me perde e da esperança.

Nesse soneto, é nítido o sentimento trágico da vida, tipicamente maneirista. Ano após ano se vai alongando a cansada peregrinação do poeta pelo mundo e se vai aproximando o fim de sua vida, que ele sente ter vivido inutilmente. Regida pela tirania de Cronos, que a todos e a tudo metamorfoseia e destrói, em seu fluir contínuo, a vida humana é concebida pelo poeta como uma dolorosa via crucis, sem sentido, vã. É uma caminhada num mundo de enganos, sempre à espera de uma esperança que nunca chega. Com o passar dos anos, veio-lhe o cansaço, cresceu-lhe o desgosto, ele perdeu a esperança, chegando à velhice despojado da confiança e perdido. 

Zenobia Collares Moreira Cunha. In: A poesia maneirista portuguesa. 2001


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