3 de setembro de 2011

A poesia de Natália Correia...


Poetisa, dramaturga, ensaísta e ficcionista, Natália de Oliveira Correia nasceu em 1923 na ilha de S. Miguel dos Açores. Foi Secretária de Estado da Cultura. Natália Correia é uma das personalidades mais destacadas da vida literária, cultural e cívicas de Portugal.

É meritório o seu trabalho na defesa da liberdade, da cultura e dos direitos da mulher portuguesa. Em 1947 fez sua estréia no mundo das letras, com um livro de poesias – Rio de nuvens, no qual a expressão poética da autora ainda anda atrelada a um tipo de poesia tradicionalista, cultivada na década de quarenta por poetas que não se deixaram seduzir pelas inovações vanguardistas introduzida pela geração do movimento Orpheu. É desta fase a poesia de Natália Correia, que se segue:

A FEITICEIRA COTOVIA

Cantei uma ária para te dar um tecto
Versos duma rosa para o seu namorado
Bodas naturais de flor e de insecto
Que pousa na flor e fica casado

Passou um amante no vôo directo
Dum corpo para a sua constelação
Com pena de ti roubei-lhe o trajecto
E pus-te uma pomba invisível na mão

Mas pela espiral da antiga insônia
Girou a voluta do crime secreto
De seres cortesã numa Babilônia
Que fechas a chave para ficar mais perto.

 Depois de cinco anos de silêncio, em 1990, Natália Correia voltou a publicar, trazendo ao público os seu livro Sonetos românticos, logo contemplado com o Grande Prémio de Poesia APE/CTT-TLP, o mais importante no gênero existente em Portugal. Trata-se de uma obra de grande interesse, não apenas por resgatar o soneto do quase esquecimento a que fora relegado após o advento do Modernismo, mas, principalmente por vir nutrido pela mesma força protéica que vem revigorando a expressão poética dos líricos do século XX modernista. No próprio título do livro já se anuncia a intencionalidade da poetisa de fazer do amor o tema dos sonetos, não parafraseando a linguagem dos grandes poetas do romantismo, mas recriando esta mesma linguagem, revestindo-a das concepções e da retórica do amor próprias dos vates modernistas. Todavia o diálogo com os “antigos” mestres do soneto perpassa  os sonetos, daí dizer no poema de abertura: 

Não ofendas a Santa Sabedoria
julgando de ânimo leve o Romantismo.
Humildemente nele escuta as vozes
Que te dizem:
O itinerário é interior.
Assim dispõem as Leis do Amor
Encontradas no ramo de ouro
Da acácia onde pousou a Pomba.

O livro de Natália é um texto que seduz o leitor mais exigente. Embebido do espírito da modernidade, mas preservando pelo que de excepcional herdamos todos nós da lírica dos antigos quinhentistas: o soneto. O soneto, uma forma tradicional que a lírica portuguesa soube elevar aos mais altos patamares do fulgor criativo, desde Camões, Bocage, Antero, Florbela e que Natália Correia faz reviver de forma brilhante:

Súbita a inspiração faz o convite:
Mais alto, rumo à meta indefinida!
Ofereço o sentimento ao limite
Dos ecos do mistério que intimida.

Rebelde ao senso a Musa não permite
À razão que chegue à chama erguida
O canto aceso, magia que transmite
Remota música noutro mundo ouvida.

A minha ânsia mede-se por versos
E na descida a meus jardins submersos
Vedadas rosas rebentam-me na boca.

Poesia: angústia de querer sempre mais,
Saudoso endereço de termos imortais.
E ao fim de tanto anseio, a vida pouca.

 O livro Sonetos românticos assinala mais um testemunho da fecunda capacidade criativa da poetisa. À forma antiga e consagrada do soneto, teve no livro da autora um dos seus mais brilhantes momentos na poesia contemporânea.
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 Zenóbia Collares Moreira Cunha

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