24 de setembro de 2011

C. Drummond de Andrade: O Ombros suportam o mundo.


O poema drummondiano, que se segue, faz parte do terceiro livro de poesias do autor, publicado em 1940, com o título “SENTIMENTO DO MUNDO”. Trata-se de uma obra de grande importância no conjunto da produção do poeta, porque foi a partir dela que Drummond se projetou, definitivamente, no panorama literário brasileiro, ganhando a notoriedade que o consagrou como um dos maiores poetas do Modernismo e de toda a literatura produzida no Brasil, que o antecedeu.
Neste livro, o poeta esboça a sua visão pessoal e particularizada acerca da realidade do homem e do mundo na década de quarenta, iniciada sob a turbulência e os horrores da segunda guerra mundial e do conseqüente caos que se abateu sob o mundo. Daí o tom de profundo pessimismo, o desânimo e a descrença que atravessam os vários poemas que compõem o livro, no qual o autor assume seu engajamento e sua postura ideológica, assinalando, também, uma nova forma de comunicar-se com o leitor.

OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.

Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

O doloroso sentimento do mundo invade o poema, presentifica-se por meio da palavra poética e do confessionalismo amargurado do autor. Drummond revela a sua interioridade, refere os sentimentos que o angustiam, fala no voluntário abandono dos seus desejos e desnuda suas mais íntimas inquietações, arcando com o peso da conseqüente solidão. A sua própria vida e o seu próprio destino perdem a importância, como já não importam o tempo que passa e a velhice que avança, comparados aos graves e inquietantes problemas do mundo, dos quais ele tem uma aguçada e sofrida consciência.
O poeta sente e expressa a sua intensa solidariedade com todos aqueles que ainda não conseguiram se libertar da dor. Viver a vida, mesmo dura e árida, viver “a vida apenas, sem mistificação”, agiganta-se como um imperioso dever, como um destino inescapável. Sim: o poeta deverá continuar sua caminhada existencial, olhando de frente a dolorosa realidade de um mundo pesado, cruel e injusto que ele supõe levar sobre os ombros, como se não pesasse mais do que a leve mão de uma criança.
Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira-MG, em 1902, Filho de proprietários rurais arruinados, estudou em Belo Horizonte, diplomou-se em Farmácia, deu aulas de Geografia, exerceu o Jornalismo e foi funcionário público. Em 1933, radicou-se definitivamente no Rio de Janeiro. Morreu em 1987. É considerado maior poeta brasileiro.

Autora: Zenóbia Collares Moreira Cunha
 

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