30 de agosto de 2011

Fernando Pessoa: "Entre o luar e o arvoredo".



"Entre o luar e o arvoredo" é mais um poema pessoano que evoca a paisagem noturna para referenciar as inquietudes do seu estado de espírito e as aflitivas insatisfações que povoam seu imaginário, os seus anseios existenciais e estético-literários

Entre o luar e o arvoredo,
Entre o desejo e não pensa
Meu ser secreto vai a medo
Entre o arvoredo e o luar.
Tudo é longínquo, tudo é enredo,
Tudo é não ter nem encontra.

Entre o que a brisa traz e a hora,
Entre o que foi e o que a alma faz,
Meu ser oculto já não chora
Entre a hora e o que a brisa traz.
Tudo não foi, tudo se ignora.
Tudo em silêncio se desfaz.

COMENTÁRIO
Na busca da plenitude e da perfeição talvez explique a instauração do incômodo sentimento de irrealização, de falência e de conseqüente perda de identidade que atravessa todos os versos desse poema. A evocação das distâncias “entre o luar e o arvoredo” metaforizando a distância entre o desejo do poeta e a realização do seu desejo, entre o seu passado e o seu presente, assinalam a presença de um espaço vazio e indefinido, no qual o eu-lírico sente-se perdido, sem ter nada que seja efetivamente seu.
É nesta distância, na qual "tudo é longínquo, tudo é enredo / Tudo é não ter nem encontrar", que o poeta sente-se um ser vago, irrealizado, infeliz e flutuante na esfera da indefinição entre o ser e o não ser
Na segunda estrofe, o poeta reforça a idéia exposta na primeira, apenas trazendo a brisa e a hora para substituírem o luar e o arvoredo, sem, contudo, ocorrer mudança no sentido anterior. Ao contrário disto, o poema é encerrado com a reiteração da irrealização de tudo quanto desejou, da falência ou da perda de tudo que poderia ter tido. Daí o seu sentimento de estar irremediavelmente perdido no espaço entre o passado e o presente, no qual se procura e nunca se acha, pois tudo nesse espaço vago "não foi, / tudo se ignora. / Tudo em silêncio se desfaz".
Esta inquietude atormentou o poeta durante toda a sua vida, sempre tomado pela insatisfação. Apesar de ter construído uma obra monumental que o projetaria no mundo inteiro, como um dos maiores e mais geniais poetas de todos os tempos, parece que jamais conseguiu um auto avaliação que lhe desse a perfeita dimensão de sua grandeza. Não! O mais brilhante poeta da modernidade nunca conseguiu livrar-se da tirania do sentimento de irrealização e de falência, própria de quem, tomado de perfecionismo viveu da impressão de que nada se cumpria, de que nada chegara a ser conseguido da forma como ele desejava
Este poema é comovente, na medida em que abre frestas para que vislumbremos a dor existencial do poeta, os tormentos e aflições de sua alma sensível, magnificamente reveladas por meio de uma linguagem riquíssima em imagens poéticas.
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Zenóbia Collares Moreira Cunha

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