14 de setembro de 2010

A poesia de Inês Lourenço.

Nascida em Lisboa, em 1959, Inês Lourenço fez a sua estréia na literatura no ano de 1980 com o livro de poesias Cicatriz 100%, prefaciado por Maria Isabel Barreno. Colaborou em várias Antologias de poesia contemporânea, no Jornal de Letras –JL -; Colóquio, Artes e Idéias, etc.
Sua poesia, como a de outras poetisas da sua geração, volta-se para um “novo realismo” ligado à revalorização do quotidiano. A poetisa trabalha a matéria que lhe vem da realidade concreta, do dia-a-dia, de forma absolutamente exterior e explícita, objetiva e centrada no objeto do espaço externo (Na rua das traseiras havia um catavento/ veloz nas turbulências de Inverno). Suas percepções das coisas vai orientando os poemas, nos quais pouco se entrever da sua autora. O “eu-poético”, quando fala de si, reporta-se ao passado, à infância (a minha infância/ cheira a soalho esfregado a piaçaba/ aos chocolates do meu pai aos Domingos). 
SATÉLITE

Os meus olhos acolhem um bando
de reflexos, invisíveis a horas
mais sombrias, na luz aberta
deste fim de Junho. Vêm ao meu
encontro os grandes plátanos do
jardim, ameaçados pelas
prováveis escavações do Metro.
Por ora ainda matizam os rostos
dos passantes e a penumbra das
janelas. No passeio das paragens
de autocarro para Ermesinde,
Areosa e outros debruns urbanos,
o volume dos corpos recorta-se
quadriculado pela luz. Seios e
estômagos transferem-me para
um estranho país de aleitamento e
digestões. Sigo num culpado
exílio a dobrar
os passos para o Satélite, onde
regresso ao aroma navegável
do cimbalino.

GUILHERMINA SUGGIA
(variações sobre um retrato)

No escarlate do vestido
entre os joelhos avulta
o versátil companheiro
que em voz grave lhe responde
desde esse Porto marítimo
da infância, muito antes
da era dos petroleiros e
da boçalidade dos banhistas.

Poetisa da geração 80, Inês Lourenço integra o coro de vozes poéticas femininas que ajudam a renovar a poesia que a partir desta década abriu espaço para tantas poetisas de expressiva qualidade, como Teresa Rita Lopes, Rosa Alice Branco e Adília Lopes, para citar apenas algumas. Sem regras a obedecer, sem rumos pré-estabelecidos a seguir, a poesia dessa geração chama a atenção pelas diferentes linguagens que instituem, pelas diversificadas e até divergentes tendências que as conduzem. Todavia a presença do real quotidiano prepondera em todas elas, reabilitado, renovado e inovador.
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Zenóbia Collares Moreira Cunha. O Itinerário da poesia feminina portuguesa: Século XX...


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