8 de setembro de 2010

O lirismo maneirista de Estevão R. de Castro.

A temática do amor platônico foi exaustivamente cultivada pelos poetas maneiristas  portugueses. O soneto que se segue, de Estevão Rodrigues de Castro, é interessante em razão da intertextualidade que mantém com o soneto camoniano, “Um mover de olhos brando e piedosoque, por sua vez foi intextestualizado de um outro de Petrarca.
Nele, o poeta esboça um retrato da amada dentro dos códigos do neoplatonismo, ou seja: a de mulher amada é descrita como um ser inatingível e fascinante por sua beleza, toda ela feita de perfeição e virtudes. Diante de “sua rara formosura”, de sua “imagem angélica e pura”, o poeta fica em estado de maravilhamento e de perplexa adoração.

Aquela rara e nova fermosura
Aquele rosto grave e honesto,
Aquele perigrino e estranho gesto,
Aquela imagem angélica e pura,

Aquela clara visão, viva pintura,
Da divindade indício manifesto,
Aquele olhar brando e modesto
Que logo n’alma imprime sua figura,
                      
Se dentro na alma a tenho e a venero,
Guardando-lhe o respeito e decoro
Que merece a imagem de tal dea,

Que tenho que temer, ou que mais quero
(Em que ela me desame), se a adoro
E tenho na mesma alma como idea.
(Estevão Rodrigues de Castro, Obras poéticas, p. 357.)

Vale lembrar, mais uma vez, que a expressão do sentimento amoroso, mesmo em termos neoplatônicos foi repudiada pelos poetas maneiristas a partir dos finais do século XVI, época em que uma onda de ascetismo invadiu a poesia, levando os poetas à recusa de tematizar o amor profano, fazendo de suas obras um espaço para a exaltação do amor divino.  
Esta oposição do amor divino ao amor humano, já presente na lírica de Camões, radicalizou-se avultadamente na segunda fase do Maneirismo, iniciada nas derradeiras décadas do século XVI, sob a influência dos rigores penitenciais do catolicismo pós-tridentino, que geraram no espírito dos homens o desprezo pelas coisas mundanas como primeiro e decisivo passo para a conquista da bem-aventurança na vida eterna. 
By Zenóbia Collares Moreira Cunha.
Imagem de William A. Bouguereau.
                          
                               

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