20 de junho de 2010

O lirismo simbolista de António Nobre




Antônio Nobre. Nasceu no Porto, em 1867 e faleceu, vitimado pela tuberculose, em 1900. A sua obra poética resume-se em apenas um livro: “Só”, publicado em 1892. 


UM SONHO 
Na messe, que enlouquece, estremece a quermesse... 
O sol, o celestial girassol, esmorece... 
E as cantilenas de serenos sons amenos 
Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos... 

As estrelas em seus halos 
Brilham com brilhos sinistros... 
Cornamusas e crotalos, 
Cítolas, cítaras, sistros, 
Soam suaves, sonolentos, 
Sonolentos e suaves, 
Em suaves, 

Suaves, lentos lamacentos 
De acentos 
Graves, 
  Suaves... 

Flor! enquanto na messe estremece a quemesse 
E o sol, o celestial girassol esmorece, 
Deixemos estes sons tão serenos e amenos, 
Fujamos, Flor! à flor destes fenos... 

Soam vesperais as Vêsperas... 
Uns com brilhos de alabastros, 
Outros louros como nêsperas, 
No céu pardo ardem os astros... 

Como aqui se está bem! Além freme a quermesse... 
-Não sentes um gemer dolente que esmorece? 
São os amantes delirantes que em amenos 
Beijos se beijam, Flor! à flor dos fenos... 

As estrelas em seus halos 
Brilham com brilhos sinistros... 
Cornamusas e crotalos, 
Cítolas, cítaras, sistros, 
Soam suaves, sonolentos, 
Sonolentos e suaves, 
Em suaves, 
Suaves, lentos lamentos 
De acentos 
Graves, 
   Suaves... 

Esmaece na messe o rumor da quermesse... 
-Não ouves este ai que esmaece e esmorece? 
É’um noivo a quem fugiu a Flor de olhos amenos, 
E chora a sua morta, absorto, à flor dos fenos...

Soam vesperais as Vêsperas... 
Uns com brilhos de alabastros, 
Outros louros como nêsperas, 
No céu pardo ardem os astros... 

Penumbra de veludo. Esmorece a quemesse... 
Sob o meu braço lasso o meu Lírio esmorece... 
Beijo-lhe os boreais belos lábios amenos, 
Beijo que freme e foge à flor dos flóreos fenos... 

As estrelas em seus halos 
Brilham com brilhos sinistros... 
Cornamusas e crotalos, 
Cítolas, cítaras, sistros, 
Soam suaves, sonolentos, 
Em suaves, 
Suaves, lentos lamentos 
De acentos 
Graves 
   Suaves... 

Teus lábios de cinábrio, entreabre-os! Da quermesse 
O rumor amolece, esmaece, esmorece... 
Dá-me que eu beije os teus morenos e amenos 
Peitos! Rolemos, Flor! à flor dos flóreos fenos... 

Soam vesperais as Vêsperas... 
Uns com brilhos de alabastros, 
Outros louros como nêsperas, 
No céu pardo ardem os astros... 

Ah! não resistas mais a meus ais! Da quermesse 
O atroador clangor, o rumor esmorece... 
Rolemos, ó morena! em contactos amenos! 
-Vibram três tiros à florida flor dos fenos... 

As estrelas em seus halos 
Brilham com brilhos sinistros... 
Cornamusas e crotalos, 
Cítolas, cítaras, sistros, 
Soam suaves, sonolentos, 
Sonolentos e suaves, 
Suaves, lentos lamentos 
De acentos 

Graves essa quermesse? 
E a Flor que sonho? e o sonho? Ah! tudo isso esmorece! 
No meu quarto uma luz com lumes amenos, 
Chora o vento lá fora, à flor dos flóreos 
Suaves... 

Três da manhã. Desperto incerto... E essa quermesse? 
E a Flor que sonho? e o sonho? Ah! tudo isso esmorece! 
No meu quarto uma luz com lumes amenos, 
Chora o vento lá fora, à flor dos flóreos fenos... 


Chama a atenção, logo à primeira leitura, a sensualidade e a musicalidade que atravessa o poema UM SONHO, um dos mais belos e sonoros do Simbolismo português. Ao princípios da estética simbolista se impõem em vários aspectos, facilmente verificáveis: a sua rarefeita atmosfera, bem típica do obscuro e desordenado universo onírico que desvela e uma série de recursos poéticos muito ao gosto dos poetas simbolistas, postos ao serviço da musicalidade do poema, como os ecos ( “enlourece, estremece a quermesse...”), as aliterações ( “fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos...”), refrões ( “As estrelas em seus halos”).

O ritmo lento produzido pelos refrões, ecos e aliterações, produzem uma musicalidade suave de acalanto, à qual se soma o vocabulário refinado, rico, as rimas preciosas, e o verso livre bem típico da estética simbolista. Por outro lado, o poema preserva uma certa opacidade na explicitação da sua mensagem, apenas sugerida, insinuada mais que descrita ou explicada, mais preocupada, portanto, em atingir o sentir, a emoção que a razão. 

Como é próprio do Simbolismo, o “Eu” lírico volta-se para o subjetivismo profundo, na medida em que explora a sua interioridade, a paisagem do inconsciente, o sonho. Apela, assim, para o vago, o nebuloso, o impreciso, a sugestão, através de imagens imprecisas e ambíguas. 
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Zenobia Collares Moreira Cunha 
                                               

Um comentário:

Anônimo disse...

o poema é de eugénio de castro e consta da obras oaristos.