4 de fevereiro de 2010

A tirania de Eros na lírica camoniana


Camões, praticamente, esgotou todas as possibilidades de abordagem do tema amor em sua lírica e em alguns episódios de Os Lusíadas. Homem que amou e foi amado intensamente ao longo da sua tumultuada vida, sofreu as imensas vicissitudes e  fruiu  intensas venturas  que o Amor pode proporcionar ao homem.  Amou com paixão e volúpia mulheres dos vários países por onde o durou a sua peregrinação no exílio, mas padeceu dilacerantes dores,  foi fustigado pelos demônios do ciúme,  passou pelos tormentos das perdas ou da separação da mulher amada no espaço geográfico ou  pela morte, expressando o grito gigantesco que ecoavam sua alma na poesia.
E nenhum outro poeta soube expressar tão bem as dores que lhe deixavam “a alma chagada, toda ela em carne viva”  de forma extraordinariamente  impregnada de  profundo sentimento e de intensa emoção sem jamais resvalar para o sentimentalismo piegas e lacrimejante.
O poeta era um homem sensual, um amante encantado com as graças femininas,  um apaixonado pela Mulher, que sempre valorizou, exaltou e teceu louvores e elogios  tanto em sua  lírica, quanto em seu canto épico, nunca desmerecendo-a, tampouco denegrindo a sua imagem, mesmo quando lhe infligiam  decepções,  desenganos,  traições, abandono  e agônicos sofrimentos.  Assim, a maioria das poesias de Camões são melancólicas,  ensombradas  pelo desencanto, pela amargura, pela desesperança  e pela descrença na felicidade no amor. 
Os sonetos  que selecionei para analisar hoje são os que melhor expressam a temática da  tirania de Amor e do sua força poderosa para subjugar  aos seus caprichos os corações  humanos, mesmo contra a vontade destes. 
 Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar-me, e novas esquivanças,
que não pode tirar-me as esperanças
que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.

Que dias há que na alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.

Neste soneto, mais uma vez, o poeta focaliza o poder imensurável e inescapável do “Amor” (com A maiúsculo, para indicia-lo como um ser superior: Cupido ou Eros, filho de Vênus), um deus menino, travesso e ardiloso, que trás consigo uma aljava cheia de flechas, com as quais  penetra os corações humanos e os deixam subjugados ao amor.  
De acordo com os conceitos renascentistas, herdados da poética da Antiguidade greco-romana, que transitaram para  os estilos de época maneirista, barroco e neo-clássico, o Amor é uma entidade cruel, que seduz, mortifica, tiraniza e pode matar, porque ele é uma fonte de inevitáveis contradições, de ilusórios enganos e de cruéis desenganos.
No soneto, Amor não desiste de sua pertinaz perseguição ao poeta. Todavia o embate aparenta ser desigual, pois nenhuma das suas artes e artimanhas tem o poder de tirar do poeta o que ele já não possui: A esperança e a crença no amor. Logo na segunda estrofe, o poeta deixa claro que não pode alimentar esperança quem se sente desiludido, sem temores das contradições e das mudanças do Amor, posto está como um náufrago perdido no tumulto do desengano como um barco à deriva em mar proceloso.
No entanto, nos dois tercetos instaura-se a contradição, iniciada coma introdução da adversativa “mas”. O poeta reconhece, então, que nenhum esforço humano é capaz de livrar o homem da tirania de Amor, nada a fará desistir da perseguição ao poeta,  findando por subjugá-lo. Melancolicamente surpreendido constata que penetrou seu coração um mal que aniquila a quem atinge, sem que este se dê conta, que maltrata e é tão intenso, tão inexprimível, que é impossível defini-lo de forma explícita, clara e coerente. Mas, “dias há que na alma me tem posto / um não dei quê, que nasce não sei onde, / vem não sei como, e dói não sei porquê.”
Esta impossibilidade do homem escapar ao Amor e suas contradições, repete-se no conhecido soneto “Amor é um fogo que arde sem se ver”, no qual o poeta tenta exaustivamente definir o amor de forma precisa e clara, sem no entanto conseguir escapar às contradições  que lhe são inerentes.

Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente:
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer,
é um andar solitário entre a gente,
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade,
é servir a quem vence o vencedor;
é ter, com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Com efeito, em cada verso a face contraditória de Amor irrompe numa sucessão de termos  antitéticos e bipartidos que apenas provam que o Amor não é passível de ser definido, por causa de sua natureza intrinsecamente contraditória.
A única definição a que chega o poeta é a de que, em sua essência, o Amor é, concomitantemente, uma determinada coisa e o seu contrário.  Daí a interrogação com a qual se encerro o soneto: Como poderá o Amor ser algo prazeroso e benéfico para o homem, “se tão contrário a si é o mesmo Amor?”
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Zenóbia Collares Moreira

3 comentários:

Anonymous disse...

Amo Camões, Amooooooooo!

EVA-RN (ZCMC) disse...

ANÔNIMO

Eu tenho paixão pelo poeta. Amo Os Lusíadas e sou fascinada pela lírica.

Anonymous disse...

Olá Eva, posso considerar este soneto como maneirista? OBRIGADO!