9 de dezembro de 2009

O lirismo de Maria do Rosário Pedrosa


Natural de Lisboa, Maria do Rosário Pedreira nasceu em 1959. Fez a sua estréia na literatura em 1996, com o livro intitulado A casa e o cheiro dos livros, cuja recepção calorosa fez com que logo se esgotasse a primeira edição. Seu segundo livro, O Canto do Vento nos Ciprestes, obteve a mesma ovação por parte da crítica. Como escritora tem já vários trabalhos publicados de ficção, poesia, ensaio, crônicas e literatura juvenil. O livro de estréia revela-se como uma espécie de poética do espaço, dos interiores das casas, enquanto no segundo livro a poetisa põe em prática uma retórica que lembra a dos “ultra-românticos”, na medida em que reveste a expressão dos sentimentos de uma grandiloqüência inesperada. Trata-se de uma poesia que não se contenta em falar de amor, privilegiando uma abordagem sobre o morrer de amor. A mulher que tem voz nos poemas, ao contrário de Maria Teresa Horta, nunca fala no momento amoroso vivenciado, fruído. O seu discurso fala da espera, da ausência, do temor, da solidão, da memória, do abandono, nunca da relação amorosa presente e jubilosa:

O meu mundo tem estado à tua espera; mas
não há flores nas jarras, nem velas sobre a mesa,
nem retratos escondidos no fundo das gavetas. ei
que um poema se escreveria entre nós dois; mas
não comprei o vinho, não mudei os lençóis,
não perfumei o decote do vestido.
Se ouço falar de ti, comove-me o teu nome
(mas nem pensar em suspira-lo ao teu ouvido);
se me dizem que vens, o corpo é uma fogueira –
estalam-me brasas no peito, desvairadas, e respiro
com a violência de um incêndio; mas parto
antes de saber como seria. Não me perguntes
porque se mata o sol na lâmina dos dias
e o meu mundo continua à tua espera:
houve sempre coisas de esguelha nas paisagens
e amores imperfeitos – Deus tem as mãos grandes..

O segundo livro de Maria do Rosário, O canto do vento nos ciprestes, enfeixa poemas que, apesar do intimismo que os plasma, mesmo quando aborda o amor, não resvala para a área já tão desgastada e demodée do confessionalismo, mesmo porque a escrita do amor ou o amor escrito não dá conta da dimensão desse amor único, especialíssimo, que transcende à dimensão da palavra. daí dizer: O meu amor não cabe num poema – há coisas assim,/ que não se rendem à geometria deste mundo;/[...] O meu amor é maior que as palavras; e daí inútil / a agitação dos dedos na intimidade do texto-/ [...]. O meu amor anda por dentro do silêncio a formular loucuras/ com a nudez do teu nome – é um fantasma que estrebucha/ no Dédalo das veias e sangra quando o encerram em metáforas...
A poetisa tematiza o amor numa perspectiva que nada tem a ver com a realidade vivenciada e voltada para os apelos carnais. O erotismo está absolutamente ausente no lirismo amoroso da autora. Não há lugar para a sensualidade, para a poética do corpo no espaço deste livro. Trata-se de uma focalização do amor estruturada na intensidade do sentimento, uma abordagem do tema amoroso mais preocupada em dar relevo ao velho tema “morrer de amor” que de falar em pequenos ou grandes dramas amorosos pessoais.

Este foi o nosso último abraço. E quando,
daqui a nada, deixares o chão desta casa
encostarei amorosamente os lábios ao teu copo
para sentir o sabor desse beijo que hoje não
daremos. E então, sim, poderei também eu
partir, sabendo que, afinal, o que tive da vida
foi mais, muito mais, do que mereci.

O amor na poesia de Maria do Rosário habita o espaço da memória, ele é sempre exibido em sua incompletude ou como metáfora de uma extrema perda. O discurso poético, depurado de excrescências de sentimentalismo, revela um eu-lírico consciente de que o amor é também a angústia da perda.

Diz-me o teu nome - agora, que perdi
quase tudo, um nome pode ser o princípio
de alguma coisa. Escreve-o na minha mão
com os teus dedos - como as poeiras se
escrevem, irrequietas, nos caminhos e os
lobos mancham o lençol da neve com os
sinais da sua fome. Sopra-mo no ouvido,
como a levares as palavras de um livro para
dentro de outro - assim conquista o vento
o tímpano das grutas e entra o bafo do verão
na casa fria. E, antes de partires, pousa-o
nos meus lábios devagar: é um poema
açucarado que se derrete na boca e arde
como a primeira menta da infância.
Ninguém esquece um corpo que teve
nos braços um segundo - um nome sim

O canto do vento nos ciprestes, estão vivas as marcas deixadas pela solidão dolorosamente vivenciada e pela experiência do abandono, bem como a presença de uma ausência evocada do homem amado, reiteradamente trazida à memória, revivida e, pouco a pouco, despojada de da gravidade que provoca a dor. Obra que tem a sua gênese numa experiência de “perda”, transformada em “canto”:

Dorme, meu amor, que o mundo já viu morrer mais
este dia e eu estou aqui, de guarda aos pesadelos.
Fecha os olhos agora e sossega – o pior já passou
há muito tempo; e o vento amaciou; e a minha mão
desvia os passos do medo. Dorme, meu amor –
a morte está deitada sob o lençol da terra onde nasceste
e pode levantar-se como um pássaro assim que
adormeceres. Mas nada temas: as suas asas de sombra
não hão-de derrubar-me – eu já morri muitas vezes
e é ainda da vida que tenho mais medo. Fecha os olhos
agora e sossega – a porta está trancada; e os fantasmas
da casa que o jardim devorou andam perdidos
nas brumas que lancei ao caminho. Por isso, dorme,
meu amor, larga a tristeza à porta do meu corpo e
nada temas: eu já ouvi o silêncio, já vi a escuridão, já
olhei a morte debruçada nos espelhos e estou aqui,
de guarda aos pesadelos – a noite é um poema
que conheço de cor e vou cantar-to até adormeceres.

A poesia lírica praticada por Maria do Rosário Pedreira é bem distanciada dos lugares comuns de que, freqüentemente, este tipo de expressão poética se recente.

Não tenhas medo do amor. Pousa a tua mão
devagar sobre o peito da terra e sente respirar
no seu seio os nomes das coisas que ali estão a
crescer: o linho e genciana; as ervilhas-de-cheiro
e as campainhas azuis; a menta perfumada para
as infusões do verão e a teia de raízes de um
pequeno loureiro que se organiza como uma rede
de veias na confusão de um corpo. A vida nunca
foi só Inverno, nunca foi só bruma e desamparo.
Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a
tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor
da tempestade que faz ruir os muros: explode no
teu coração um amor-perfeito, será doce o seu
pólen na corola de um beijo, não tenhas medo,
hão-de pedir-to quando chegar a primavera.

Em alguns poemas há a presença da doença e da morte. O binômio amor/morte figura como o grande tema do livro. O amor nutre-se “na instabilidade, na precariedade, na insegurança. Como não é o amor consumado e feliz que Maria do Rosário aborda, estes poemas estão pejados de desolação, medo, ameaças, pressentimentos”. O livro de Maria do Rosário Pedreiras sobressai no contexto da poesia portuguesa do terceiro milênio por tudo quanto nele, sendo diferente, inovador e original, institui a sua singularidade.

Autora: Zenóbia Collares Moreira


3 comentários:

EVA-RN (ZCMC) disse...

Abrindo o halos para seus comentários. Sejam bem-vindos.

Anonymous disse...

Ótimo este blog. Voltarei.

Ridan disse...

Faza tempo que não passava por aqui. Quanta beleza, amiga! E, feito o menino no texto de Galeano, "me ajuda a olhar!". É vasto, largo, grandioso. Obrigada por mais este presnete em nossas vidas. Saudades, abraços.